Relacionamentos Abusivos e o Conto de Barba Azul: O Que Toda Mulher Precisa Saber

A história de Barba Azul não é apenas um conto de fadas macabro; ela é um retrato simbólico das experiências de muitas mulheres nos relacionamentos. Através dessa narrativa, podemos refletir sobre como a ingenuidade feminina pode levar à submissão e ao afastamento da própria intuição, tornando-as vulneráveis a relações destrutivas.

Em resumo Barba Azul, um mágico fracassado e temido por sua aparência, tentava cortejar três irmãs. Para conquistá-las, preparou um passeio luxuoso, e a mais nova, encantada, passou a vê-lo de forma menos assustadora. Logo, aceitou seu pedido de casamento e foi morar em seu castelo.

Antes de viajar, Barba Azul deu à esposa um molho de chaves, permitindo que explorasse tudo, exceto uma porta específica. Movidas pela curiosidade, ela e as irmãs abriram todas as portas até encontrarem a proibida, que escondia ossos e sangue. Ao sair do cômodo, a chave não parava de pingar sangue, tentaram limpar a chave, mas sem sucesso a escondeu no armário.

Ao retornar, Barba Azul percebeu a transgressão e sentenciou a esposa à morte. Desesperada, pediu um tempo para se preparar e, nesse intervalo, conseguiu ajuda dos irmãos, que chegaram a tempo de matá-lo, pondo fim ao seu terror.

A irmã mais nova representa o arquétipo da mulher ingênua, aquela que, por falta de experiência ou por condicionamento social, desconsidera sua intuição. Diferente das irmãs mais velhas, que permanecem desconfiadas, ela se deixa levar pelo encanto do passeio e pelo comportamento aparentemente generoso de Barba Azul. Esse erro de julgamento é comum em mulheres que não desenvolveram seus mecanismos internos de alerta. Desde cedo, muitas são ensinadas a serem boazinhas, a ignorar os sinais de perigo e a confiar cegamente no outro, mesmo quando algo dentro delas diz o contrário.

A promessa de um paraíso na terra, simbolizado pelos passeios, pelos cavalos adornados e pela vida de ostentação, seduz e adormece a intuição feminina. A jovem esposa acredita que pode lidar com o desconhecido sem riscos, que o perigo não é real, apenas uma aparência distorcida. Esse tipo de pensamento leva muitas mulheres a se relacionarem com parceiros destrutivos, na esperança de que o amor possa transformá-los. Elas negam a realidade, convencendo-se de que “a barba não é tão azul assim”.

Quando Barba Azul parte em viagem, ele lhe concede aparente liberdade, mas, na verdade, a mantém enclausurada dentro de um castelo de ilusões. Quantas mulheres não vivem exatamente esse conto? Casam-se enquanto ainda são ingênuas, escolhem parceiros que minam sua energia e suas vontades, e, pouco a pouco, percebem que seus sonhos e sua autonomia estão sendo dilacerados. No fundo, sabem que há algo errado, mas hesitam em abrir a porta que revela a verdade.

O ponto de virada ocorre quando a mulher se depara com a sala de horrores — o momento em que a realidade se impõe e a verdade não pode mais ser ignorada. Essa porta representa o inconsciente reprimido, as verdades dolorosas que evitamos enxergar. Abrir essa porta, no entanto, é necessário. É a única forma de sair da ilusão e recuperar o próprio poder.

No conto, a chave simboliza o conhecimento, a intuição que persiste mesmo quando tentamos ignorá-la. Para evitar relações destrutivas, é preciso questionar: O que está atrás da porta? O que não é como aparenta ser? O que sei no fundo de mim mesma, mas preferia não saber? Essas perguntas são as verdadeiras armas contra os predadores, internos e externos, que tentam nos manter aprisionadas.

Assim como a jovem esposa, é preciso despertar, recuperar a conexão com a própria intuição e resgatar a força de decidir o próprio destino. Somente assim, deixamos de ser presas fáceis e nos tornamos as protagonistas de nossas histórias.

REFERÊNCIAS:

ESTÉS, Clarissa Pinkola. Mulheres que correm com os lobos: mitos e histórias do arquétipo da mulher selvagem. Tradução de Waldéa Barcellos. 22. ed. Rio de Janeiro: Rocco, 2018.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Rolar para cima