Nascer uma pedra quadrada em uma família de redondas é dureza viu!

Nascer uma pedra redonda em uma família de todas quadradas é dureza viu! Nos primeiros momentos a pequena pedra redonda não se percebia diferente, afinal todas eram pedras. De forma singela:

AI! – Uma raspadinha do lado, e assim a pedrinha perdeu seu primeiro pedaço.

A vida continua, mas algo está diferente, nossa pedra não sabe muito bem por quê, mas quando há falta de um pedaço nosso há um silêncio uníssono, quase que como um luto abafado. E a vida continua.

Logo, é tempo de se educar, ela começa a aprender sobre como são as pedras, sua cor, seu tamanho, o que boas pedras fazem – e deixam de fazer. Assim nossa pedrinha aprendeu a forma de uma boa pedra, ela é boazinha, não da trabalho, tem uma fala mansa e ajuda os demais.

Mais um pedacinho se perdeu…

É como quase como ter duas vidas, mas tem coisas que permanecem escondidas no fundo do peito, será que sou mesmo uma pedra? É melhor que ninguém saiba – pensou a pedrinha.

E esse foi o seu maior e mais precioso segredo, a ansia de um dia não precisar mais raspar seus pedacinhos. Então ela dizia para o segredo no fundo do seu peito – Não deixarei que você morra, quando ninguém mais estiver a ver, te darei ar e água fresca, aguente firme!

Em um momento de descuido, há um grito em sua mente, será que sou pedra?

– Feche as pernas!

– Mas que mal criada! Não pode gritar ou sentir raiva, está ficando louca?

– Você precisa ser mais responsabilidade!

– Olha a forma que fala, assim irá magoar os outros! Vai morrer solteira assim!

– Cuidado! O mundo é perigoso para nós pedras delicadas e frágeis, precisamos de outros para nos proteger!

– Se arrume e seja bonita. A beleza dói mesmo!

Depois de tanto se espremer, mudar e ralar os seus cantos pontudos que tanto incomodava, um alento:

– Nossa querida! Como você está linda, parece uma princesa, está tão redondinha!!! Terá um marido de sorte.

Após um momento de suspiro, retornam os dizeres tão bondosos que nos ensinam a ser boas pedras:

– Você terá um marido amoroso se você for agradável, gentil, bem boazinha.

– Aliás, já sabe cozinhar? E limpar uma casa direitinho? Saber disso te fará uma bela pedra!

– Não se expresse de forma raivosa, você pode falar sem se exaltar, nunca grite viu! Boas pedras não gritam.

– Há, é permitido que você seja ambiciosa, mas não muito… A sua prioridade precisa ser a família, cuidar dos filhos.

– Talvez você pense que eu não te ame do jeito que você é, mas tudo o que eu faço é por amor, dói mais em mim que em você, acredit!

– Não! Não é assim que se faz… Seja dessa forma aqui! Não, isso que você deseja e gosta não são coisas de pedras de respeito!

AI! AI! AI! AI! AI! AI! AI! AI! AI! AI! AI! AI! AI! AI! AI! AI! AI! AI! AI! AI! AI! AI!

Esses foram gritos silenciosos, lá se foram tantos outros pedacinhos da nossa pequena pedra, um luto abaixo da pele, carnificina transfigurada.

Eis que a nossa pedra se olha no espelho e se assusta, não se reconhece:

– Quem sou eu? O que eu gosto?

Eu, antes uma pedra quadrada, com muitos pontas que me faziam única, agora, mais uma pedra redonda, com os olhos cinzentos com um sorriso no rosto, sem mesmo sentir felicidade. Mas talvez eu me acostume, afinal agora sim sou uma boa pedra, sou igualzinha as outras, mas…

O único problemas é o meu coração que não para de sangrar, gota a gota, preenchendo cada pedaço do meu corpo de sangue vivo que transborda e deixam pegadas de um suicidio silencioso. De tanto sangrar, o brilho nos olhos se apagou, está dificil de enxergar quem sou, o sorriso aparece mas a felicidade não, alguém pode me guiar?

AI, AI! AI! AI! AI! AI!

Um grito no silêncio, apertada em locais em que não existem paredes, mais pequena, só mais um pouquinho, bem escondida – dentro de mim, no fundo do peito, um zumbido:

– Não me resta eu! Sou uma pedra redonda, mas… Não me pertenço, não há nada meu aqui, há um inverno constante, um frio lascivo, encolho cada vez mais… O que há de errado comigo?

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